As decisões de efeito repetitivo e seus reflexos no Direito Público brasileiro – Parte 1

O direito processual é o meio pelo qual o direito material se instrumentaliza. No entanto, também é ferramenta essencial à atualização do direito material, que o faz, através dos precedentes, os quais dão nova leitura à letra da lei e permitem ajustar eventuais distonias da norma com garantias constitucionais, sejam elas de matriz social, econômica, politica ou tributária¹.

Tem-se que, em seu próprio conceito, jurisprudência é o conjunto de decisões frutos da interpretação e aplicação da lei, cujo objetivo fundamental é a concretização do direito. Porém, diferem-se “precedente judicial” e “jurisprudência”, principalmente pelo fato de a jurisprudência consistir num conjunto de julgamentos reiterados sobre determinada matéria, enquanto precedente judicial corresponde a uma única decisão, proferida de acordo com rito processual específico.²

O precedente passa a ter valor de força de base motivacional direta e não mais como elemento mediato de formação de convicção judicial, com a Lei Federal 9756/1998, no entanto, toma caráter constitucional com Emenda Constitucional 45/2004³.

Nessa mudança valorativa do conceito de precedente, pode-se dizer que o precedente é a norma obtida no julgamento de um caso concreto que se define como a regra universal passível de ser observada em outras situações.

No sistema de civil law, a Lei é fonte primária utilizada pelo juiz nos julgamentos, servindo a jurisprudência, apenas, como reforço argumentativo. Por outro lado, o provimento jurisdicional no common law é concebido tendo como principal fonte os precedentes, construídos por meio de um conjunto de decisões reiteradas ou por meio de uma decisão proferida em rito especial com essa finalidade. Tratando-se da mesma hipótese fática e fundamento jurídico, o precedente firmado é obrigatoriamente adotado para solução de conflitos futuros. A vinculação do common law ao caso concreto difere-se do império da lei idealizado e difundido no sistema civil law que pressupõe que o magistrado deve, sempre, vincular-se à lei na resolução do caso concreto. Ocorre que, ao decidir de acordo com a aplicação da subsunção, os juízes nem sempre alcançam os mesmos resultados. A utilização do processo subjuntivo nem sempre permite a criação de métodos de padronização de entendimentos. Tem-se que “a uniformização é bem-vinda já que proporciona previsibilidade, bem como o pleno respeito ao princípio constitucional da igualdade”.⁴

O ordenamento jurídico brasileiro tem seu fundamento na civil law, sistema jurídico pautado no legislação. Este sistema jurídico tem sua previsão no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, o qual torna o alicerce do ordenamento jurídico, o Princípio da Legalidade. Entretanto, com o advento das modificações da ideia valorativa dos precedentes, nota-se que o sistema brasileiro se aproxima do common law, sistema jurídico pautado nos precedentes. Desta forma, surge no Brasil, um sistema jurídico misto, o qual tem como objetivo a uniformização e estabilização da jurisprudência e garantir a efetividade do processo.⁵

A Emenda Constitucional 45/2004, torna o Princípio da Efetividade Processual, direito fundamental e trás em seu espoco, a repercussão geral nos Recursos Extraordinários, e cria a súmula vinculante. Inicia-se nesta emenda a constituição, portanto, o fundamento de validade e obrigatoriedade do precedente vinculativo ao ordenamento jurídico brasileiro.

Entretanto, o precedente vinculativo passa a ter comprimento obrigatório e se torna instrumento de atualização e modificação da legislação após a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, Lei Federal 13.105/2015. O precedente vinculativo, como prevê artigo 927 do CPC/2015, torna líquido e certo o direito material em discussão em outros casos concretos que tratam da mesma matéria.

Em síntese, a sistemática dos Precedentes Repetitivos tem como objetivo concretizar os princípios da celeridade na tramitação de processos, da isonomia de tratamento às partes processuais e da segurança jurídica. E, desta forma, interpretando e muitas vezes modificando a forma de aplicação da lei, por conseguinte, refletindo diretamente no ordenamento legal, ou seja, a adoção do precedente vinculativo se torna compulsório.

A compulsoriedade do precedente vinculante obriga a Administração Pública a adotá-lo, sem a necessidade de o administrado buscar no Poder Judiciário ordem judicial que obrigue a Administração Pública a acatar o precedente vinculativo. Esta obrigação da Administração Pública em obedecer ao precedente vinculativo está consubstanciada em um emaranhado de princípios constitucionais que obrigam a Administração Pública na realização eficiente de seus atos.

O efeito prático para a Administração Pública é que ela evita demandas judiciais que geram custos aos cofres públicos, além do que torna dinâmico o ordenamento jurídico e permite a correção de administrativa de atos que estejam em distonia com o precedentes vinculativos.

 

Os aspectos processuais da formação dos precedente vinculantes

O recurso repetitivo pode ser definido como o mecanismo jurídico processual que visa conter e diminuir o fluxo dos recursos de natureza extraordinária em sentido amplo, a saber, os recursos extraordinário e especial, juntamente aos tribunais superiores (STF e STJ, respectivamente), com o objetivo de se obter decisão com 4 eficácia vinculante. É importante anotar que essas decisões demonstram o alinhamento e o esforço dos Tribunais Superiores com relação à aplicação dos mecanismos de uniformização de jurisprudência, o que deve ser fortalecido sob a égide no Código de Processo Civil de 2015.⁶

A atual Lei Processual Civil regulou o recurso repetitivo tanto no âmbito do STF como no STJ, criando regramento similar para o recursos extraordinário e especial, que são interpostos nos Tribunais de Justiça e/ou Tribunais Regional Federal cabendo ao seu presidente ou ao seu vice-presidente constatar a multiplicidade de causas sobre a mesma questão jurídica.

Após a constatação da multiplicidade de recursos sobre o mesmo tema, o presidente ou vice-presidente do Tribunal selecionará, ao menos dois recursos representativos de controvérsia, e que abordem de forma bem abrangente os pontos das questões de direitos correlatas.

O presidente ou vice do Tribunais de Justiça e/ou Tribunais Regional Federal determinará, a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, que tramitem no Estado ou na Região até que ocorra a afetação no Tribunal Superior, quando a suspensão ocorrerá em todo o território nacional.

Quando o recurso representativo de controvérsia já estiver no Tribunal Superior o relator deferirá o despacho de afetação.

Afetação é “a decisão proferida pelo relator que, feita a seleção dos recursos paradigmas e preenchidos os demais requisitos do art. 1.036, caput, do CPC, identificará com precisão a questão jurídica a ser submetida a julgamento, determinando a suspensão do todos os processos que versem sobre a mesma questão, coletivos ou individuais, que tramitem em território nacional.⁷

Vale salientar que o efeito suspensivo do recurso repetitivo terá eficácia até nos processos que já foram sentenciados, porque o julgamento a ser proferido terá eficácia vinculante sobre todos os processos no território Nacional, cabendo reclamação nos termos do art. 988, IV, do CPC, quando isso não for observado. Será responsável pela informação aos juízes singulares, sobre a eficácia suspensiva dos Recursos Repetitivos, os presidentes ou vice-presidentes do Tribunal de sua jurisdição.

As partes serão intimadas da decisão do relator ou do juiz de que trata a suspensão do processo. Elas poderão requerer que o processo prossiga se conseguirem provar que a questão jurídica objeto do recurso repetitivo não tem semelhança com a discutida em seu processo.

Reconhecida a afetação, deverá o recurso afetado ser julgado no prazo de 1 ano e terão preferência de julgamento sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus, em razão desta ação receber prioridade constitucional em relação aos demais feitos.

Antes do julgamento, o relator poderá, ainda, requisitar informações dos Tribunais de origem a respeito da controvérsia, admitir a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades como amicus curiae, ou ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria em audiência pública, bem como, poderá abrir vistas ao Ministério Público, caso haja a necessidade de sua intervenção, pelo prazo de quinze dias.

Encerradas as diligências, o Tribunal passará ao julgamento do recurso repetitivo; a decisão proferida deverá abranger a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida.

Proferida a decisão, caberá aos órgãos colegiados declarar como prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada. Vale realçar que o Presidente ou Vice-presidente do |Tribunal negará seguimento aos recursos (especial ou extraordinário) sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Tribunal superior; o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do Tribunal superior; ou, os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo Tribunal Superior.

 

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Autor: Dr. Rafhael Pimentel Daniel, OAB/PR 42.694 é sócio da JP Balaban & Advogados, Mestrado Profissional em Direito Tributário Aplicado, Especialista em Processo Civil Contemporâneo, Especialista em Direito Tributário.

Balaban

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