As decisões de efeito repetitivo e seus reflexos no Direito Público brasileiro – Parte 2

 

Ler parte 1.

 

O Efeito Vinculante

O ideia de precedente vinculativo nasce na common law no século XVII. Atualmente, o efeito vinculante dos precedentes é regra fundamental no sistema de common law.⁸

Charles Cole⁹ explana sobre a vinculação dos precedentes no sistema norteamericano: “O precedente para o circuito no sistema federal é, contudo, sujeito a ser revogado por uma contra decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que estabelece precedente nacional. A decisão da Suprema Corte é vinculante em todas as Cortes, sejam estaduais ou federais, uma vez que a interpretação é aplicável à Constituição Federal, leis promulgadas de acordo com a Constituição, ou tratados federais”.

No Brasil, após início da República, a utilização do precedente vinculativo fora deixado de lado, e só após a Constituição Federal de 1988, com advento do controle de constitucionalidade surge novamente a eficácia vinculante. Após a EC 45/2004, foram incluídas ao Código de Processo Civil, as primeiras formas de Recurso Repetitivo e de Repercussão Geral.

Há de se destacar que: (i) o sistema de precedentes trazido pelo CPC em vigor tem por objetivo precípuo garantir aos jurisdicionados maior estabilidade, previsibilidade, segurança jurídica e isonomia; e, (ii) a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, juízes e tribunais deverão, obrigatoriamente, aplicar as súmulas e os precedentes como fontes fidedignas do direito.¹⁰

Humberto Theodoro Junior¹¹ ensina: (…) força vinculante é a que primariamente compete à norma legal, que obriga todos inclusive o próprio estado, tanto nos atos da vida pública como privada, sejam negociais, administrativos ou jurisdicionais. O particular não se esquiva de cumprir a lei, porque fica sujeito à sanção de nulidade, para seus negócios jurídicos. A Administração sofre a vinculação da lei, porque não pode praticar senão os atos que prevê e autoriza. E a jurisdição não pode julgar os litígios senão aplicando-lhes a norma legal pertinente, sendo-lhe permitido recorrer aos princípios gerais, à analogia e costumes apenas nas lacunas do ordenamento positivo.

O efeito vinculante tem o objetivo de resguardar a efetividade processual e segurança jurídica, bem como dar dinamismo às relações legais entre os administrados e a Administração.

A vinculação das decisões proferidas nos ritos de efeito repetitivo são de suma importância, pois além de resguardar os direitos constitucionais e de modificar o entendimento sobre normas infraconstitucionais, permite que o administrado não necessite buscar a declaração de seu direito já estabelecido por precedente vinculativo. Os fundamentos práticos para existência do precedente vinculante é a diminuição de processos perante o Poder Judiciário, e o acatamento por todos órgão da Administração Pública, bem como toda a sociedade do precedente judicial, concretizando assim a ideia de segurança jurídica e isonomia.

 

Reflexo dos precedentes vinculativos no direito público material

O reflexo do precedente vinculativo no ordenamento jurídico é fato concreto, pois torna desnecessária a propositura de lide o que discutam, uma vez que a sua força vinculante torna Administração Pública e o Poder Judiciário obrigados ao seu cumprimento. Sendo assim, quando estiver sedimentado o precedente vinculativo, a Administração Pública deverá modificar a sua forma de aplicação da legislação afetada pelo precedente, não sendo mais necessário o administrado buscar no Poder Judiciário, aplicação do precedente vinculativo.

Vale salientar que a Administração Pública deve se pautar nos Princípios Constitucionais da Eficiência, Moralidade, Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Boa-fé, aplicando os precedentes vinculativos sem a necessidade de ordem judicial, dando cumprimento fiel dos mencionados Princípios Constitucionais do Direito Administrativo.

O ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, 8 transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria¹².

Desta forma o precedente vinculativo que modifica a definição da lei ou julga inconstitucional a aplicação de determinada conduta administrativa torna nulo o ato administrativo realizado com fundamento contrario ao do precedente vinculativo, por conseguinte, o ato administrativo nulo está sujeito a invalidação que nada mais é do que o desfazimento do ato administrativo em virtude da existência de vicio de legalidade.

O poder de desfazimento dos atos administrativos se dá por meio da invalidação ou da revogação. A invalidação ocorre por conta dos atos inválidos, ou seja, aquele que é praticado em desacordo com o ordenamento jurídico, sendo assim, carece de legalidade. A revogação, por sua vez, é a supressão de um ato discricionário legítimo e eficaz, realizada pela Administração – e somente por ela – por não mais lhe convir sua existência.

Os efeitos da invalidação do ato administrativo por vício de legalidade é ex tunc, ou seja, estende-se até a data que o ato administrativo fora emanado.

A Administração Pública, no exercício de suas funções, está autorizada a anular ou revogar seus próprios atos, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, quando tais atos são contrários ao ordenamento jurídico.

Este dever da Administração Pública conceitua-se como controle interno de legalidade, o qual tem seu fundamento jurídico no Princípio da Autotutela.

Sobre o controle de legalidade dos atos administrativos, Marçal Justen Filho¹³ ensina: “A natureza própria da democracia republicana impõe a submissão das atividades administrativas ao primado da legalidade e da satisfação das necessidades coletivas. Isso se traduz em institutos jurídicos de controle interno”.

O Princípio da Autotutela abrange a possibilidade de o Poder Público anular ou revogar seus atos administrativos quando estes se apresentarem, respectivamente, ilegais ou contrários à conveniência ou à oportunidade administrativa. Em qualquer dessas hipóteses, porém, não é necessária a intervenção do Poder Judiciário, podendo a anulação/revogação perfazer-se por meio de outro ato administrativo auto executável.

O precedente sumulares do Supremo Tribunal Federal disciplinam o regime de controle dos atos administrativos, pela Administração Pública, no seguinte sentido: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.” (STF, Súmula nº 346) e a “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” (STF, Súmula nº 473).

Portanto, a autotutela é tida como uma emanação do princípio da legalidade e, como tal, impõe à Administração Pública o dever, e não a mera prerrogativa, de zelar pela regularidade de sua atuação ainda que para tanto não tenha sido provocada, por conseguinte, por ser o direito tributário um ramo do direito público, a Procuradoria da Fazenda Nacional tem o dever de rever os atos administrativos de constituição da certidão de dívida ativa, quando estas estiverem com vícios na sua constituição.

Portanto, não há dúvidas que a atuação administrativa deve se submeter unicamente aos ditames legais, e qualquer ato praticado que os desrespeitem, merece reconhecimento e reforma, pela própria Administração, visto sua obrigação de controle de legalidade de seus atos.

Ainda, como a jurisdição pátria é una e nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito está excluída da apreciação do Judiciário (art. 5º, XXXV, CF/88), os precedentes judiciais igualmente determinam a atuação da Administração Pública e servem de fundamento para o controle dos atos administrativos e para a limitação do exercício da autotutela.

Os precedentes judiciais assim, igualmente, são norteadores da atividade administrativa e como consequência inviabilizam a prática de atos pela Administração Pública em desconformidade com o precedente vinculativo, impondo, mais uma restrição, decorrente também da segurança jurídica, à atuação do Poder Público. Destarte, resta inequívoco entendimento que cabe à Administração rever, a qualquer tempo, seus próprios atos, desde que contrários à lei e aos precedentes judiciais específicos.

Conclui-se que o precedente vinculativo, modifica a interpretação da lei ou a torna nula, seja por vício de constitucionalidade ou por anomalias infraconstitucionais, neste sentido, a Administração Pública deve modificar os atos administrativos pretéritos através do controle interno de legalidade e não permitir que novos atos administrativos sejam realizados com o fundamento legislativo contrário ao precedente vinculativo.

 

Autor: Dr. Rafhael Pimentel Daniel, OAB/PR 42.694 é sócio da JP Balaban & Advogados, Mestrado Profissional em Direito Tributário Aplicado, Especialista em Processo Civil Contemporâneo, Especialista em Direito Tributário.

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