Uma nova abordagem sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo de tributos como do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ganhou força após a decisão da Suprema Corte, em março, que entendeu não incidir ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706).
A possibilidade da exclusão pode impactar grande parte das empresas brasileiras, visto que as companhias de médio e pequeno porte – com faturamento entre cinco e dez milhões de reais – costumam recolher o IRPJ e a CSLL com base no lucro presumido.
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), por exemplo, a tendência tem sido de vitória do contribuinte. Os desembargadores têm entendido que o ICMS não integra a base de cálculo de IRPJ e CSLL. A tese não é nova, mas os magistrados começaram a aceita-la após a decisão do Supremo, no RE 574.706. São pelo menos oito decisōes favoráveis ao contribuinte do tribunal com jurisdição no sul do país.
A decisão mais recente sobre o assunto foi proferida no início de agosto, no MS 5011192-28.2017.4.04.7200/SC. O juiz federal Gustavo Dias de Barcellos citou em seu voto as decisōes do Supremo no RE 240.785 e RE 574.706. Nestes casos, a Corte definiu que o valor arrecadado a título de ICMS não reflete riqueza obtida, pois constitui ônus fiscal e não faturamento da empresa. Além disso, o tributo não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, não podendo integrar a base de cálculo do PIS/Cofins.
Para o magistrado, o entendimento também se aplica ao IRPJ e à CSLL que, no regime de lucro presumido, incidem sobre a receita bruta das empresas. Desse modo, se o ICMS não pode ser incluído para fins do cálculo do PIS e da Cofins, também não pode para a determinação do lucro presumido.
“Não integrando o ICMS a base de cálculo da contribuição para o PIS e a Cofins, não tem aplicação, ao caso, a nova redação dada ao art. 3º da Lei n. 9.718/98, bem como ao art. 1º, §§ 1º e 2º, das leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, que determina o faturamento que compreende a receita bruta de que trata o artigo 12 do Decreto-Lei n. 1.598/77 – como base de cálculo de tais contribuições”, afirmou Barcellos.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deve recorrer da sentença. Embora o juiz tenha demonstrado dois julgados do TRF4 acerca do tema, a Procuradoria entende que a questão ainda não está consolidada, visto que não há decisão de tribunal superior sobre a discussão.
A advogada do caso Amal Ibrahim Nasrallah, comemorou a decisão e disse que, pelo entendimento do Supremo, o valor do ICMS não compõe a receita bruta porque não se incorpora ao patrimônio do contribuinte – representa apenas ingresso de caixa ou trânsito contábil a ser totalmente repassado ao fisco estadual.
“Sendo assim, os valores recolhidos a título de ICMS não compõem a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, que nada mais é do que um percentual sobre a receita bruta”, conclui.
O advogado Carlos Navarro, considerou a decisão extremamente relevante do ponto de vista jurídico e financeiro das empresas. “É uma tese nova que surge na rabeira da ICMS na base de PIS e Cofins”, diz.
Para o advogado, o juiz usou o julgado do Supremo de forma inteligente, pois pegou as razões de decidir do caso do STF e adaptou a outros tributos, que possuem o mesmo conceito de receita para a base de cálculo. “Não é possível que haja vários conceitos diferentes de receitas. Assim como o STF já sinalizou que para contribuição de receita bruta pode excluir o ICMS, faz sentido também excluir o presumido”, opina.
O advogado Reinaldo Zangelmi, conta que começou a desenvolver novos trabalhos com clientes para reduzir ou fazer uma economia na questão da tributação, agora que é possível excluir a diferença do ICMS na base de cálculo. Os casos não costumam envolver um valor alto, visto que são empresas de grande porte que utilizam do lucro presumido, mas podem gerar economia ao pequeno e médio empreendedor.
Relação entre os tributos
A decisão do Supremo deixou claro que o ICMS é mero ingresso na contabilidade da pessoa jurídica, por ser, na verdade, uma receita dos Estados. No caso do PIS/Cofins, a base de cálculo é o faturamento da pessoa jurídica. Isso significa que o ICMS pode ser deduzido pois, no momento em que se fatura sobre a venda de uma mercadoria, uma parte dela tem a destinação definida para o Estado em forma de tributo.
Uma mercadoria, por exemplo, que custa R$ 100 reais e o contribuinte tem que pagar R$ 18 reais de ICMS. A Receita Federal entende que o valor da receita bruta são os R$ 100 da mercadoria. O que STF decidiu é que o valor do ICMS – RS 18 reais – não integra essa receita para fins de incidência do PIS/Cofins, devendo a base de cálculo ser reduzida para R$ 82 – diferença entre o preço da mercadoria e o valor pago pelo tributo. No caso da IRPJ e da CSLL a base de cálculo é o lucro presumido, que decorre da aplicação de um percentual sobre a receita bruta.
“É uma solução meio salomônica, embora não prevista em lei”, afirmou Fábio Alexandre Lunardini. Para o advogado, os tribunais aguardam a modulação dos efeitos da decisão da Corte Superior. “Ela representou um verdadeiro arquétipo em favor das empresas que tributam no lucro real. Agora, a decisão [do STF] torna a discussão atraente também para as empresas do lucro presumido”, concluiu.
O especialista em Direito Tributário, Renato Marcon, afirma que as decisões que equiparam o julgamento do STF com o IRPJ e CSLL podem ser precipitadas, pois existem diferenças relevantes entre os temas.
“No julgamento do STF parte-se de uma análise do conceito constitucional de receita. Esse conceito foi apreciado para servir como base de cálculo do PIS e da Cofins, agora esse caso analisado é diferente. Esse conceito de receita bruta que serve como referência no percentual presumido de lucratividade vem de legislação infraconstitucional”, explicou o advogado, enfatizando que no caso do IRPJ e da CSLL a receita bruta não é a base de cálculo dos tributos, e sim referência do percentual presumido de lucratividade.
Para a União, os percentuais de lucro presumido já representam dedução e o ICMS está incluso nelas. Além disso, os percentuais previstos pelo legislador consideram todas as despesas, inclusive sobre os produtos incidentes na venda. Isso porque o lucro presumido é uma opção do contribuinte, que normalmente escolhe por essa modalidade quando a margem de lucro é maior do que a presumida.
O principal argumento contra a não incidência do ICMS no regime de lucro presumido é que não poderia o contribuinte querer o benefício do presumido e, ao mesmo tempo, querer os benefícios do lucro real, porque é neste que se pode aferir a despesa do ICMS.
Para Nasrallah, se o ICMS não integra a receita bruta, não se pode falar que o ICMS estaria dentro das deduções previstas na lei, visto que ele não integra a receita bruta para que possa ser deduzido. Tampouco o ICMS é despesa da pessoa jurídica porque, conforme destacou o STF, o valor do imposto é mero ingresso na contabilidade da pessoa jurídica, pois é receita dos Estados.
“Por outro lado, o percentual de dedução do lucro presumido não considera as despesas do contribuinte, como quer fazer a União Federal. O contribuinte que opta pelo lucro presumido paga IRPJ e CSLL mesmo se tiver prejuízo. De fato, quando o contribuinte faz a opção no início do ano pelo lucro presumido, na verdade não sabe se terá lucro ou prejuízo durante o ano, é uma loteria. Se tiver prejuízo irá pagar o IRPJ e a CSLL da mesma forma”, concluiu a advogada.
Fonte: Jota