I – Introdução.
A desoneração fiscal, consiste em instrumento financeiro-tributário, na qual o Estado, renuncia seu direito de arrecadação de um tributo ou parcela dele, concedendo a um grupo específico de contribuinte, ou a toda a sociedade, tal benefício. Salientando que este instrumento jurídico faz parte do pleno exercício da competência constitucional – tributária do Estado.
Matheus Carneiro de Assunção[1], assevera:
“… pode ser considerado incentivo fiscal qualquer instrumento, de caráter tributário ou financeiro, que conceda a particulares vantagens passíveis de expressão em pecúnia, com o objetivo de realizar finalidades constitucionalmente previstas, através da intervenção estatal. Essas vantagens podem operar subtrações ou exclusões no conteúdo de obrigação tributária, ou mesmo adiar os prazos de adimplemento dessas obrigações. É possível, ainda, que autorizem transferências diretar destinadas a cobrir despesas de custeio das entidade beneficiadas…
O fundamento jurídico para concessão da desoneração fiscal é o § 6o do art. 150 da Constituição da República, que impõem ao Estado o dever de criar lei específica que discipline a renúncia fiscal, ou seja, por força do Princípio da Legalidade, não será possível o Estado criar benefício fiscal sem uma norma reguladora.
A idéia de renúncia fiscal está atrelado ao conceito de gasto público e, por conseguinte, são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando atender objetivos econômicos e sociais.
A renúncia fiscal tem dupla função, uma esta atrelada ao fato de o Estado transferir ao contribuinte uma função estatal em troca de um benefício tributário e a outra, têm caráter incentivador, quando o Estado tem a intenção de desenvolver determinado setor ou região.
Os benefícios fiscais podem se dar da seguinte forma: a) concessão de isenção em caráter não geral; b) alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
Ademais, é nítido que os benefício fiscais são uma forma cristalina de Intervenção do Estado no Domínio Econômico, uma vez que o Estado utiliza muitas vezes da renúncia de receita para estimular a produção industrial com exportações e também aquecer economia doméstica, diminuindo o custo dos bens duráveis e de consumo. Bem como promover o desenvolvimento econômico de regiões ou setor de atividade econômica.
O Estado utiliza das políticas fiscais objetivando situações de estímulo econômico, é o caso, por exemplo, da concessão de incentivos fiscais setoriais ou regionais que são utilizados como instrumentos de aquecimento da economia, bem como, com intuito de realizar a regulação do mercado. Tal atuação esta constitucionalmente consagrada no artigo 170 da CF.
Kiyoshi Harada[2] ensina:
“ O intervencionismo econômico, que não se confunde com a planificação econômica, reinante no regime passado, deve buscar a formulação de uma ordem econômica justa, baseada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, de sorte a propriciar, na medida do possível, uma existência digna a todos, que deverá ser uma preocupação permanente do Poder Público. Para tanto imprescindível a adoção de uma poítica econômica – financeira de âmbito nacional, porém, articulando os planos nacionais com os planos regionais a fim de promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País…”
Importante observar, que os benefícios fiscais geram inúmeros reflexos orçamentários e, desta forma, devem estar regulamentados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual e pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O presente artigo, pretende demonstrar os impactos orçamentários e econômicos das desonerações fiscais e ao final fazer ponderações em relação à viabilidade da aplicação das desonerações como artifício econômico ou regulatório.
II – As Desonerações Fiscais e seus reflexos orçamentários.
A renúncia de receitas, por muitas vezes pode trazer reflexos indesejados para as finanças públicas, uma vez que a realidade financeira brasileira, esta calcada no sistema de repartição de receitas e no Princípio Federativo, logo, quando um ente político deixa de arrecadar, a repartição das receitas deixa de ocorrer, por conseguinte, ocorre o reflexo orçamentário negativo sobre o ente político menor.
Sendo assim, quando o Estado, com o intuito de estimular a economia, abona de tributação certos setores econômicos, acaba por prejudicar o ente político menor que perde o recebimento de receita pública.
Ricardo Lobo Torres[3] explica:
“ Do ponto de vista constitucional, os ajustes intergovenamentais se fazem principalmente pela repartição de receitas tributárias ou melhor, pela participação sobre a arrecadação de impostos alheios. É instrumento financeiro, e não tributário, que cria para os entes políticos menores, o direito a uma parcela da arrecadação do ente maior. As participações podem ser diretas ou indiretas, a diferença consiste em que as indiretas se realizam através de fundos e a lei complementar pode estabelecer condições para o rateio, enquanto as outras são entregues diretamente aos entes menores ou por eles apropriadas mediante mera regra de transferência orçamentária”.
A idéia da partilha das receitas tributárias está intimamente relacionada com o Princípio do Pacto Federativo, a divisão da receita pública tributária é quem proporciona a centralização da arrecadação tributária, uma vez que o ente político menor sempre receberá uma parcela dos valores arrecadados pelo ente político maior, e isso é instrumento de equilíbrio das finanças nacionais.
As renúncias fiscais, nos termos disposto pelo artigo 165, parágrafo 1º e 2º da CF, devem estar descritas no projeto da lei orçamentária anual e no plano plurianual, demonstrando as diretrizes, objetivos e metas da administração pública em relação aos benefícios.
A lei de reponsabilidade fiscal, no artigo 14, parágrafo 1º, dispõem também sobre a regulação e controle das renúncias fiscais, bem como, a normatização do impacto orçamentário gerado por elas.
Os prazos de duração dos benefícios fiscais, conforme o regramento da Lei de diretrizes orçamentárias, deverão ser descrito na norma que institui a isenção e não poderão ser maiores que 5 anos.
Verifica-se a grande importância que os benefícios fiscais tem para o orçamento público, devendo ser disciplinadas por lei e fiscalizadas pelo TCU.
III – As Desonerações Fiscais e o Direito Internacional.
A disputa internacional pela conquista de mercado na economia globalizada, faz com que os governos dos diferente países estimulem a exportação através de políticas de concessão de subsídios fiscais e econômicos. Este mecanismo de desoneração fiscal e estímulo econômico, provoca o fenômeno da Guerra Fiscal Internacional.
Os mecanismos internacionais como a OMC, com intuito de pacificar as relações internacionais, bem como permitir a concorrência justa entre as Corporações Mundiais, regulamenta as políticas de estímulo dos Estados às exportações
A OMC, além de editar regramentos sobre as políticas de desonerações fiscais e benefícios econômicos, funciona como um tribunal que analisa benefícios que um determinado Estado concedeu em sua economia em desacordo com os regramentos internacionais, ou seja, a OMC impõe disciplinas sobre incentivos fiscais e outros subsídios que favorecem setores econômicos específicos e, portanto, podem distorcer o comércio e, especialmente as exportações.
Os principais tratados internacionais de comércio, celebrados por intermédio da OMC, são: GATT, Acordo sobre subvenções e medidas compensatórias – ASCM, Tratado sobre as ZONAS FRANCAS – FTZ, Acordo sobre medidas de investimentos relacionados com o comércio – TRIMs, Acordo sobre agricultura – AA, Acordo Geral sobre Comércio de Serviços – GATS, Mecanismos de revisão da políticas comercias – TPRM. Estes instrumentos, em sua maioria regulam a tributação no comércio exterior, evitam a bitributação da renda, podem ser relativos a tributação dos investimentos financeiros, bem como políticas de desoneração fiscal.
No Brasil, a recepção dos Tratados Internacionais de Matéria Fiscal são regulamentados pelo Código Tributário Nacional, que prevê em seu artigo 98, o modo como os Tratados e Acordos Internacionais revogam ou modificam a legislação interna e serão observados pela lei que lhes sobrevenha. Sendo assim, desde que não contrarie norma constitucional, o tratado é soberano a legislação interna. Muitas vezes, o tratado internacional, mesmo depois de recepcionado pela legislação tributária interna, não é respeitado. Fato que leva os contribuintes a promoverem verdadeiras guerras perante o Poder Judiciário e contra a Fazenda Pública, para verem seu direito reconhecido. Existe muita confusão jurisprudencial e doutrinária sobre a recepção dos Tratados Internacionais de Direito Tributário no ordenamento jurídico nacional. No entanto, o Supremo Tribunal Federal mantém o posicionamento de que o tratado não pode ser revogado por lei infraconstitucional. O Supremo Tribunal Federal, na decisão do RE 559.937, se manifestou no sentido de que a questão dos Tratados Internacionais de Direito Tributário se sobreporem as normas infraconstitucionais.
Logo, o Brasil é obrigado a cumprir os tratados internacionais de matéria fiscal, qual é signatário, sendo assim, as políticas de desoneração fiscal e benefícios econômicos devem ser concedidas com muita parcimônia pelo Estado, para evitar conflitos com outros países na OMC.
V – Conclusão.
As renúncias fiscais, são bons instrumentos para promoverem o desenvolvimento econômico regional ou de setores da produção, no entanto, ocasionam reflexos direto no orçamento público, principalmente relacionados a transferência de recursos entre os entes federados. O ente político menor sempre sofrerá maior consequência do incentivo fiscal, por muitas vezes dificultando a prestação de serviços sociais.
Além do que os benefícios fiscais promovem o controle de importações e o estímulo das exportações, logo existem inúmeros reflexos internacionais, quando o Estado resolve abonar determinada tributação. Sendo assim, o Brasil deve respeitar os tratados internacionais, os quais é signatário, logo a concessão dos benefícios fiscais, deve se orientar pela legislação federal e pelos tratados internacionais para evitar sanções comerciais internacionais.
Desta forma, o Estado, quando resolve intervir na economia, através das renúncias fiscais, deve atuar através das análises econômicas e de seus impactos, para evitar que a desoneração ocasione deformidades dentro do equilíbrio econômico- financeiro brasileiro.
[1] Assunção Matheus Carneiro, Incentivos Fiscais em Tempos de Crise: Impactos Econômicos e Reflexos Financeiros. Acesso em www.pgfn.gov.br.
[2] HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 22 Ed. São Paulo: Atlas, 2013.
[3] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 19 Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2013.
Por:
Rafhael Pimentel Daniel
Mestrando em Direito Tributário pela Escola de Direito da FGV-SP.
Especialista em Direito Tributário MBA-FGV-RJ.
Especialista em Processo Civil Constitucional pela PUC/PR.
Advogado