A Revisão Fiscal da Dívida Ativa

A Revisão Fiscal da Dívida Ativa

– O Conceito Jurídico

A Revisão Fiscal de Dívida Ativa é o instrumento de materialização do direito constitucional de petição. O contribuinte provoca (sem necessidade de pagamento de custas processuais ou de prestação de garantia) a Administração Pública a exercer o Controle Interno de Legalidade, requisitando a modificação da Certidão de Dívida Ativa. O fundamento jurídico na esfera ordinária consubstancia-se no artigo 204, § único do CTN e no âmbito regulamentar, a Portaria 719/2016 e Portaria 33/2018 da Procuradoria da Fazenda Nacional.

O efeito da Revisão Fiscal de Dívida Ativa é a diminuição do quantum debeatur e/ ou a extinção do débito fiscal. Pode estar atrelada, por exemplo, à situações de prescrição e decadência, bem como ataque ao ato administrativo de lançamento tributário, quando se tratar de alteração dos elementos quantitativos, espaciais ou temporais da hipótese de incidência.

Todavia, se a questão apontada pelo Contribuinte seja advinda de precedente vinculativo, o entendimento proferido em jurisprudência vinculante do Superior Tribunal de Justiça é de que a alteração do quantum debeatur não deve refletir em modificação do lançamento, por restrições impostas pelo próprio Código Tributário Nacional[1]. A alteração do débito fiscal estaria, portanto, restrita apenas à CDA[2] .

– A Revisão fiscal como uma medida de redução do contencioso tributário brasileiro

A litigiosidade no direito tributário brasileiro é endêmica[3]. A má gestão do sistema tributário acarreta inúmeras distorções econômicas e sociais. Analisando as normas tributárias verifica-se inúmeras incongruências sistêmicas, vez que os Princípios Constitucionais não são respeitados, pelo legislador ordinário, quando da elaboração das leis tributárias. Tal cenáruo se agrava quando a Administração Fazendária emite normas regulamentares, que por diversas vezes majoram tributos, em desrespeito à Constituição Federal e o Princípio da Legalidade[4].

Quando se adentra às questões sociais, percebe-se não existir no Brasil uma real justiça distributiva. Os tributos não são harmônicos com a Economia, o que acaba por empurrar o contribuinte para inadimplência, ações anti-exacionais e planejamentos tributários.

 – A Revisão Fiscal e a aplicação dos precedentes vinculativos

Ao analisar a conduta da Fazenda Pública, seja em âmbito federal, estadual ou municipal, conclui-se que – ainda – os entes fazendários negam vigência a Precedentes Vinculativos e ao Controle Interno de Legalidade. Busca-se arrecadar desenfreadamente, através de judicialização de lides desnecessárias e manutenção de cobrança de executivos fiscais sem pertinência legal. Tal modus operandi da RFB (e PGFN) obriga o contribuinte a buscar o Poder Judiciário.

Durante muitos anos os limites da Fazenda Pública, em alterar a dívida ativa, estava pautado na indisponibilidade dos bens públicos[5]. O crédito tributário sempre fora classificado como bem público (uma vez que o tributo nada mais é do que uma transferência patrimonial do Contribuinte para o Estado).

Embora o débito fiscal seja um bem público, a sua indisponibilidade poderá ser relativizada, através da ponderação do Princípio da Indisponibilidade dos Bens Públicos com os Princípio da Eficiência e da Economicidade. Sempre que o débito fiscal for atingido por precedente vinculativo o contribuinte poderá buscar administrativamente, através de seu direito de petição, a alteração do débito fiscal, podendo este ser reduzido (ou extinto) pela Fazenda Pública.

A Revisão fiscal tornar-se-á um processo administrativo quando a Fazenda Pública não deferir o pedido do Contribuinte, obrigando-o a manejar recurso administrativo.[6]

Se o indeferimento se consubstanciar em negar aplicação a precedente vinculativo, vale dizer que, no momento em que o pedido de Revisão Fiscal tornar-se um processo administrativo, deverá ser pautado subsidiariamente no CPC/2015, sendo assim, obrigado a seguir os precedentes vinculativos, como determina o artigo 927, do mencionado Código[7]. Aspecto este que leva ao entendimento de que a Administração Pública deve estar vinculada ao cumprimento dos precedentes. Neste sentido, a revisão fiscal demonstra-se instrumento de diminuição de judicialização, vez que poupa o Estado em litigar em Embargos à Execução e Ações Anulatórias de Crédito Tributário.

 

Rafhael Pimentel Daniel

Mestrando em Direito Tributário pela Escola de Direito da FGV-SP.

Especialista em Direito Tributário MBA-FGV-RJ.

Especialista em Processo Civil Constitucional pela PUC/PR.

Advogado

 

Gustav Schultd Langner

Especialista em Processo Civil pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar

Especializando em Direito Tributário pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDCONST.

Advogado

[1] Deveras, o princípio da imutabilidade do lançamento tributário, insculpido no artigo 145, do CTN, prenuncia que o poder-dever de autotutela da Administração Tributária, consubstanciado na possibilidade de revisão do ato administrativo constitutivo do crédito tributário, somente pode ser exercido nas hipóteses elencadas no artigo 149, do Codex Tributário, e desde que não ultimada a extinção do crédito pelo decurso do prazo decadencial qüinqüenal, em homenagem ao princípio da proteção à confiança do contribuinte (encartado no artigo 146) e no respeito ao ato jurídico perfeito. Disponível:https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=11218496&tipo=91&nreg=200900039810&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20101130&formato=PDF&salvar=false. Acesso 14/04/2019

 

[2] O Superior Tribunal de Justiça entende que o precedente vinculativo não altera o lançamento, devendo alterar apenas a CDA, e desta forma, a modificação do quantum debeatur da CDA deverá ser feito por meros cálculo aritméticos direcionado diretamente na execução fiscal.

– O entendimento firmado no precedente vinculativo Resp 1.115.501 nos seguintes termos:  EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA) ORIGINADA DE LANÇAMENTO FUNDADO EM LEI POSTERIORMENTE DECLARADA INCONSTITUCIONAL EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO (DECRETOS-LEIS 2.445/88 E 2.449/88). VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO QUE NÃO PODE SER REVISTO. INEXIGIBILIDADE PARCIAL DO TÍTULO EXECUTIVO. ILIQUIDEZ AFASTADA ANTE A NECESSIDADE DE SIMPLES CÁLCULO ARITMÉTICO PARA EXPURGO DA PARCELA INDEVIDA DA CDA. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL POR FORÇA DA DECISÃO, PROFERIDA NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO, QUE DECLAROU O EXCESSO

 

[3] É difícil convencer uma sociedade de que vale a pena arcar com o ônus tributário quando não é possível enxergar como essa receita arrecada está sendo administrada, gasta e revertida em favor do bem comum. E o que sobra? A cultura do litígio com regra. De um lado há contribuintes que administram de maneira eficiente o seu passivo tributário, protelam cobranças devidas por meio do contencioso, aderem a parcelamentos fiscais hábeis a premiar a inadimplência e utilizam estratégias agressivas de planejamento tributário. De outro lado, as autoridades fiscais e, posteriormente, a Fazenda Pública extrapolam suas condutas ao arrepio das garantias, valores e direitos assegurados pela Constituição Federal, basicamente o agir em último grau. BOSSA,Gisele Barra. Potenciais caminhos para redução do contencioso tributário e as diretrizes do CPC/2015: entraves e oportunidade. In: Medidas de Redução do Contencioso Tributário e o CPC/2015- contributos práticos para ressignificar o processo administrativo e judicial tributário. Coord. Gisele Barra Barbosa, Eduardo Perez Salusse, Tathiane Piscitelli e Juliana Furtado Costa Araujo. Almedina: São Paulo, 2017. p. 26-27

 

[4] A complexidade sistêmica pode ser facilmente evidenciada pelo número excessivo de tributos, diversidade de alíquotas e critérios de apuração. Por vezes assistimos, densas e complexas legislações disciplinadas a exceção como regra para atender pleitos setoriais ou até diárias alterações normativas em busca de algum grau de equilíbrio quanto aos respectivos efeitos de ordem prática. Os órgãos legiferantes de Estado não realizam a real e imparcial avaliação dos impactos socias, econômicos e institucionais das medidas por ele editadas. Infelizmente, interesses supostamente políticos ainda se sobrepõem à racionalidade econômica da legislação e ao dito bem comum. BOSSA,Gisele Barra. Potenciais caminhos para redução do contencioso tributário e as diretrizes do CPC/2015: entraves e oportunidade. In: Medidas de Redução do Contencioso Tributário e o CPC/2015- contributos práticos para ressignificar o processo administrativo e judicial tributário. Coord. Gisele Barra Barbosa, Eduardo Perez Salusse, Tathiane Piscitelli e Juliana Furtado Costa Araujo. Almedina: São Paulo, 2017. p. 31

 

[5] A indisponibilidade do interesse público é decorrência direta do princípio constitucional republicano: se os bens públicos pertencem a todos e a cada um dos cidadãos, a nenhum agente público é dado desfazer-se deles a seu bel-prazer, como se estivesse dispondo de um bem seu particular. Existem valores, atividades e bens públicos que, por sua imprescindibilidade para que o Estado exista e atue, são irrenunciáveis e inalienáveis. Vale dizer, no que tange ao núcleo fundamental das tarefas, funções e bens essencialmente públicos, não há espaço para atos de disposição. TALAMINI, Eduardo. A indisponibilidade do interesse público-consequências processuais. Obtido em http://www.academia.edu/231461/A_in_disponibilidade_do_interesse_p%C3%BAblico_consequ%C3%AAncias_processuais_2005_. Acesso: 14/01/2019.

 

[6] Para que fique clara essa distinção, lembremos que as normas que integram o plano procedimental, corporificam o que se chamaria de direito administrativo tributário; prescrevem as condições sob as quais o ato administrativo de lançamento pode/deve ser produzido, os pressupostos para revisão de ofício do crédito tributário, os requisitos para o estabelecimento de regimes especiais etc. Já as processuais constituem o que chamaríamos de direito processual tributário, orientando o exercício da função estatal tendente a compor conflito; prescrevem, em suma, sob quais condições os atos decisórios serão emitidos- sempre respeitadas, de todo modo, as superiores diretrizes do devido processo legal. ARAUJO, Juliana Furtado Costa e CONRADO, Paulo Cesar. (coord) O novo cpc e seus impactos no direito tributário. 2ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2016, p.257.

 

[7] Como ressaltado, não importa se o processo de que se está a cuidar firmou-se na órbita administrativa ou judicial; em ambos os casos, o “processo” expressa “jurisdição”, vinculando-se, portanto às correspondentes normas “processuais”, e não a normas “procedimentais” (expressão da função propriamente administrativa). Essa, vale, repetir, é uma das maiores virtudes do Código de Processo Civil de 2015: radicar sob um mesmo conceito o processo judicial e administrativo, dando ombros para circunstâncias orgânicas, de modo a se preocupar com a função, ontologicamente considerada. ARAUJO, Juliana Furtado Costa e CONRADO, Paulo Cesar. (coord) O novo cpc e seus impactos no direito tributário. 2ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2016, p.256.

 

 

Balaban

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