A discussão sobre a natureza das verbas constantes na folha de salários não é nova.
A aferição em se definir se as rubricas detém natureza remuneratória ou indenizatória impacta diretamente a base de cálculo dos tributos que recaem sobre a folha de salários. A declaração da natureza indenizatória, por conseguinte, afastaria a natureza salarial da respectiva verba, fato que exclui da incidência da contribuição previdenciária.
O primeiro grande debate que se trava é se tal aferição é de cunho constitucional (competência do STF) ou infraconstitucional (competência do STJ).
O entendimento sobre esta natureza parece cada vez mais controversa no STF. A Corte vinha decidindo repetidamente que a questão de saber quanto à natureza jurídica das verbas salariais para fins de tributação pela contribuição previdenciária insere-se no plano infraconstitucional. Neste passo, os TRFs vinham inclusive negando seguimento a Recursos Extraordinários com esta temática.
Nesta toada, no que toca ao terço de férias, o Superior Tribunal de Justiça, exercendo sua competência de analisar questões infraconstitucionais, em julgamento sob rito dos recursos repetivos, firmou o seguinte precedente vinculativo, quando do julgamento do REsp 1230957/RS (tema 479/STJ): ”A importância paga a título de terço constitucional de férias possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa)”.
Acontece que passados muitos anos do precedente firmado no STJ e as reiteradas decisões do STF de que tal aferição se dá na esfera infraconstitucional, os Ministros do STF, sem que houvesse qualquer modificação legislativa constitucional ou infraconstitucional, passaram a entender de forma diversa.
Na sessão virtual do Pleno do dia 28.08.2020 o STF, por maioria de votos, julgando o tema 985 de repercussão geral (leading Case: RE 1072485), firmou a tese pela constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o montante pago a título de terço constitucional de férias gozadas, previsto no inciso VII do artigo 7º da Constituição.
Os ministros que apresentaram votos escritos, Marco Aurélio e Alexandre de Moraes, assentaram que dois são os fatores que fundamentam a decisão pela tributação do terço de férias: natureza remuneratória e a habitualidade da verba paga.
O Ministro Edson Fachin abriu divergência, argumentando que, embora o terço de férias seja pago com habitualidade, este não tem natureza remuneratória, porque tal ganho habitual do empregado não constitui parcela que se incorpora à remuneração, e também, por ele não integrar reflexos na aposentaria de modo que o terço de férias é alheio à qualquer natureza salarial.
Contudo a robusta argumentação do Ministro Edson Fachin não encontrou eco com os demais pares, que votaram com o relator.
Assim, com a definição dada pelo Pleno do STF, firmou-se verdadeira divergência entre os precedentes vinculativos do STJ (tema 479) e do STF (tema 985).
Na interpretação da norma processual vigente, em respeito à segurança jurídica, por ter havido alteração frontal da jurisprudência, inclusive divergindo de precedente vinculativo do STJ, é caso típico de modulação dos efeitos, no sentido de se respeitar vigência do precedente do STJ no período anterior à vigência do precedente do STF. É prudente se aguardar, portanto, o trânsito em julgado deste julgamento, para se definir o real alcance da decisão.
Gustav Schuldt Langner OAB/PR 41.049