O tema deste artigo, é muito importante para o mundo empresarial, principalmente para os empresários que fazem recuperações administrativas de ativos tributários pautados em precedentes vinculativos provenientes de Recursos Repetitivos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no RE 1072485, modificou o entendimento sobre incidência da CPP e RAT sobre o 1/3 Constitucional de Férias. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça no ano de 2014 tinha proferido precedente vinculativo Resp 1.230.957 no sentido de que não há incidência de CPP e RAT sobre o 1/3 Constitucional de Férias.
Questão semelhante ocorreu, quando o Supremo Tribunal Federal, entendeu no RE 574706 que o ICMS não compõe a base do PIS e da COFINS. O Superior Tribunal de Justiça, tinha já entendimento através de precedente vinculativo Resp 1144469 que o ICMS compunha a base de cálculo do PIS e da COFINS.
Os dois casos supra referidos, são exemplos de mudança em precedentes vinculativos do STJ, em razão de decisão vinculativa do STF. Mas como isso ocorre e quais são os direitos daqueles que se beneficiaram dos precedentes vinculativos que foram modificados?
De forma simples, um precedente vinculativo decorrente de decisões de recursos repetitivos de matéria tributária proferido pelo STJ, estará sempre resguardado pelo princípio constitucional da segurança jurídica, isonomia e do direito adquirido.
O princípio da segurança jurídica, garante ao Contribuinte o respeito às decisões judiciais pela Administração Pública enquanto estiverem vigentes, já o princípio da igualdade, salvaguarda ao Contribuinte tratamento igualitário no que tange aos precedentes vinculativos. O direito adquirido, permite que o Contribuinte tenha seu direito respeitado mesmo após a modificação do precedente.
Traduzindo de forma simples, o cidadão tem direito de se beneficiar dos precedentes vinculativos enquanto eles estiverem vigentes, ou seja, durante todo o período em que o precedente estava válido, o Contribuinte pôde se beneficiar dele. Após sua modificação, aqueles que se beneficiaram não devem sofrer sanções pela modificação do entendimento pela Corte Constitucional.
Dois temas relevantes quando se fala de modificação de precedente são: o “Overruling”, instrumento processual que permite a Corte Superior modificar o precedente vinculativo por ela proferido e a Modulação dos Efeitos da Decisão Vinculativa proferida pelo STJ ou STF.
O “Overruling[1]” é elemento que compõe a teoria dos precedentes vinculativos, caracteriza-se pela superação do precedente estabelecido por Corte Superior por ela mesmo. É um mecanismo de atualização social, econômica e política dos precedentes, uma vez que as condições de uma sociedade se alteram com o decorrer dos anos.
Vale mencionar que o mecanismo do overruling é muito simplista, ou seja, a questão fática do caso em julgamento é igual a de um precedente, mas a Corte Superior, por modificação de suas posições teóricas jurídicas, dada a necessidade de desenvolvimento e modernização do direito, modifica o precedente.
O artigo 927, parágrafo 2º, do CPC, disciplina o modelo brasileiro de overruling, existindo a necessidade de fundamentação adequada e precisa, além de um rito legal obrigatório para modificação do precedente.
O regimento interno do STJ, disciplina nos artigos 256-S a 256-V o processamento do Overruling de seus precedentes vinculativos. Inicialmente, o regimento identifica duas causas para reformar seu entendimento: por simples proposta do MPF ou de Ministro integrante do órgão que proferiu o julgamento vinculante, ou para adequar o entendimento do STJ ao entendimento do STF proferido em precedente vinculativo.
Em ambas as hipóteses, o overruling irá ocorrer no mesmo processo em que inicialmente proferida a decisão dotada de efeitos vinculantes, desde que ainda não tenha ocorrido o trânsito em julgado.
Caso o precedente vinculativo do STJ objeto do overruling tenha transitado em julgado, o procedimento se dará em autos apartados de questão de ordem, cuja decisão final será juntada ao processo original para adequação das demais decisões judiciais não transitadas em julgado proferidas com base no precedente.
Já a modulação dos efeitos do precedente vinculativo corresponde à fixação dos efeitos do overruling no tempo, a qual também é fundamentada em princípios de matriz constitucional: a) coisa julgada; b) ato jurídico prefeito; c) direito adquirido e d) segurança jurídica.
Acerca da classificação dos efeitos dos precedentes[2] e quem vai determinar a sua extensão temporal, a doutrina elaborou os seguintes desdobramentos e efeitos temporais atribuíveis ao novo precedente: a) aplicação puramente prospectiva (purely prospective aplication) – quando o tribunal só aplica o novo precedente aos fatos acontecidos após o surgimento da nova regra, não a aplicando nem mesmo ao caso em julgamento; b) aplicação prospectiva regular (regular prospective aplication) – quando o tribunal não aplica a nova regra a fatos passados, exceto aos fatos do caso ante o tribunal, que são afetados pela nova regra; c) aplicação plenamente retroativa (full retroaction) – quando o tribunal aplica a nova regra aos fatos acontecidos antes e depois do seu surgimento, inclusive, àqueles já passados em julgado; e d) aplicação retroativa limitada (limited retroaction) – quando o tribunal aplica a nova regra aos fatos que existiam antes de ela ter sido criada, ressalvando apenas os casos que já tiveram sentença definitiva. A modulação é regulada pelo artigo 927, parágrafo 3º, do CPC/2015, e permite que as decisões de Recursos Repetitivo, a Corte Superior determine a eficácia temporal do precedente.
Importante observar, que a modulação pelo STF em precedentes vinculativos sobre matéria já definida em precedente vinculativo pelo STJ, deverá respeitar a ponderação constitucional de princípios, ou seja, verificar se os efeitos retrospectivos, não irão atentar contra a coisa julgada, a segurança jurídica e o direito adquirido.
A referida ponderação a ser feita pelo STF, quando da modulação de efeitos, deve sempre levar em conta a premissa constitucional mais importante a sociedade, ou seja, a manutenção da segurança jurídica do precedente anteriormente estabelecido pelo STJ, respeitando desta forma, o sistema brasileiro de precedentes vinculativos.
Sendo assim, no caso tratado neste ensaio, o STF deve ter uma conduta protetiva e razoável, e, nos casos em que houver risco à segurança jurídica, primar pela modulação prospectiva, para que os efeitos da alteração de jurisprudência dominante surta efeitos somente após proferido o precedente vinculativo que realiza o overruling.
Rafhael Pimentel Daniel Advogado Mestre em Direito Tributário pela Escola de Direito da FGV-SP Especialista em Direito Tributário pelo ISAE/FGV-RJ Especialista em Processo Civil Constitucional pela PUC/PR.
Pedro Bueno de A. Alcântara Advogado Especialista em Direito Aduaneiro UNICURITIBA Pós-graduando em Gestão Contábil Tributária -UFPR
[1] A superação total de um precedente (Overruling) constitui resposta judicial ao desgaste da congruência social e da sua consistência sistêmica ou a um evidente equivoco de solução. Quanto o precedente carece de congruência e consistência ou é evidentemente equivocado, os princípios basilares que sustentam a regra do stare decisis – segurançaa jurídica, liberdade e igualdade – deixam de autorizara sua replicabilidade, com o devendo ser superado, sob pena de estancar-se o processo de contínua evolução do direito. Essa conjugação é tida pela doutrina como a norma básica de superação de precedentes (BASIC OVERRULING PRINCIPLE) MITIDIERO, Daniel. Precedentes da persuação à vinculação. 2º Ed, São Paulo: Revista dos Tribunais 2017, p. 103
[2] SESMA, Victoria Iturralde. El Precedente en el common law. Madrid: Civitas, S. A., 1995.