Diante da tendência global de as empresas se unirem para incremento da produtividade e do lucro, não se pode mais negar a grande importância que o reconhecimento de grupos econômicos, e o redirecionamento da cobrança da dívida fiscal, assumiram. Seja pela constância com que tais pleitos são formulados e deferidos, seja pela ausência de autorização normativa para a grande parte das inclusões atualmente autorizadas, esse é um assunto que merece nossa reflexão.
O direito positivo brasileiro prevê duas espécies de grupo empresarial, o “de direito” e o “de fato”. Independentemente da modalidade, as sociedades que o compõe mantêm autonomia jurídica e econômica.
Nosso entendimento é o de que, salvo na prática comum do fato gerador e na fraude devidamente comprovada, o redirecionamento do passivo tributário é ilegal.
Nesse sentido, a responsabilidade tributária entre os membros de um grupo econômico é possível se (i) a existência do grupo for provada (condição de validade para a aplicação normativa); (ii) existir fundamento legal autorizando a solidariedade e (iii) o Fisco apresentar provas de ocorrência do fato não tributário autorizador da solidariedade.
Por outro lado, é ilegal o tratamento que vem sendo dado pela jurisprudência ao assunto, que não raro acata o pedido de reconhecimento de grupo econômico pautando-se na pequena participação social em empresa devedora, no interesse exclusivamente econômico no resultado, na contratação de executivo que no passado trabalhou em contribuinte hoje detentor de elevado passivo fiscal, na atuação em ramo de negócio comum, na existência de clientes similares, na sucessão empresarial etc.
Dada a complexidade e extensão da matéria, neste artigo trataremos apenas da configuração dos grupos econômicos para os direitos societário e tributário, e, em publicações posteriores, analisaremos os fundamentos legais para o redirecionamento, e bem como as provas necessárias à comprovação da existência dos grupos e da fraude autorizadora da responsabilidade.
- Da configuração de grupo econômico
O direito societário brasileiro regulamenta expressamente apenas o grupo econômico de direito, também denominado convencional, formalmente constituído entre a sociedade controladora e as por ela controladas, por meio de convenção arquivada perante o registro do comércio, em que as sociedades se obrigam a combinar recursos e esforços para a realização dos respectivos objetos sociais, ou para participar de atividades ou empreendimentos em comum.
Por outro lado, a legislação societária vigente não prevê a existência de grupos econômicos de fato, apenas explicita o que entende por sociedades controladoras, controladas e coligadas. Para o direito tributário, a Instrução Normativa RFB nº 971/2009 identifica o controle como elemento fundamental para a qualificação de um grupo de sociedades como “grupo econômico”, ao dispor que “Caracteriza-se grupo econômico quando 2 (duas) ou mais empresas estiverem sob a direção, o controle ou a administração de uma delas, compondo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica.”
Já os Tribunais brasileiros admitem a existência dessas duas modalidades ao reconhecer, como grupos econômicos, sociedades relacionadas a partir do alegado (e nem sempre devidamente provado) controle, administração ou direção. Construção jurisprudencial fundamentada em dispositivo infralegal (Instrução Normativa RFB nº 971/2009) e comumente justificada por provas de pretensa confusão patrimonial.
- Grupo econômico de direito (ou convencional)
O art. 265 da Lei n° 6.404/76 autoriza expressamente a constituição formal de grupo econômico entre a sociedade controladora e suas controladas, por meio de convenção que deverá atender todos os requisitos contemplados no art. 269 da mesma lei, dentre eles as relações que serão firmadas entre essas sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades que o compõem.
A sociedade controladora ou de comando deverá ser brasileira e exercer, direta ou indiretamente, e de modo permanente, o controle das demais sociedades participantes do grupo (§1º, art. 265, da Lei n° 6.404/76).
Pelo fato de o grupo econômico possuir objeto próprio (promoção do interesse geral), ele se sobreporá aos interesses individuais das sociedades que o compõem. Em razão disso, o grupo terá uma administração própria e os administradores das sociedades que o compõem deverão observar as orientações emanadas pela sociedade controladora.
Já no que diz respeito à representação das sociedades integrantes do grupo perante terceiros, salvo disposição em sentido contrário na convenção, caberá exclusivamente aos administradores de cada uma delas, e será exercida de acordo com o previsto em seus respectivos contratos e estatutos sociais (art. 272 da Lei n° 6.404/76).
Por fim, não poderíamos deixar de registrar que embora existentes, os grupos econômicos de direito são raros no Brasil, e pouca repercussão têm na jurisprudência. Contrariamente, os grupos econômicos de fato são constantemente referidos em decisões administrativas e judiciais, e têm importância ímpar dada a dificuldade de se provar tanto sua existência, quanto a subsunção nos possíveis fundamentos legais para a atribuição da responsabilidade tributária.
- Grupos econômicos de fato
Os grupos econômicos de fato podem ser classificados em duas categorias: (i) os com unicidade de controle e direção identificados a partir da formação societária; e (ii) os presumidos a partir da identificação de direção comum, subordinação ou confusão patrimonial.
Para a primeira hipótese, grupo econômico de fato é aquele existente entre sociedades que estão relacionadas em decorrência da participação que uma possui no capital social das outras, sem que haja um acordo sobre sua organização formal, administrativa e obrigacional. Por inexistir regulamentação quanto à organização formal do grupo, às sociedades dele integrantes deve ser conferido tratamento jurídico autônomo, como se agissem de forma isolada.
Fábio Ulhoa Coelho[1], ao explicar o que são grupos de sociedade, ensina:
Os grupos de fato se estabelecem entre sociedades coligadas ou entre controladora e controlada. Coligadas são aqueles em que uma tem influência significativa sobre a outra, sem, contudo, controlá-la. Já controladora é aquela que detém o poder de controle de outra companhia.
Assim, para a configuração do grupo econômico de fato é necessário que (i) uma das sociedades tenha influência significativa na outra, sem controlá-la (coligada), ou (ii) uma das empresas seja titular de direitos de sócio sobre as outras que lhe assegure, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais, em especial o de eleger a maioria dos administradores, hipótese em que será considerada sociedade controladora.
O §2° do art. 243 da Lei n° 6.404/76 determina que uma sociedade será considerada controladora quando “diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.”
O art. 1.098 do Código Civil, por sua vez, conceitua o que seja sociedade controlada, ou seja, a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores (inciso I) e a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas (inciso II).
O conceito de sociedades coligadas, por sua vez, é definido no art. 1.099 do Código Civil, que dispõe ser “coligada ou filiada a sociedade de cujo capital outra sociedade participa com dez por cento ou mais, do capital da outra, sem controlá-la.”
Já a Lei n° 6.404/76 considera serem sociedades coligadas aquelas nas quais a investidora tenha influência significativa, vale dizer, quando a investidora detenha ou exerça o poder de participar nas decisões políticas financeira ou operacional da investida, sem, no entanto, controlá-la.
Finalmente, o direito societário determina como critério de presunção de influência significativa, a participação da investidora igual ou superior a 20% (vinte por cento) no capital votante da investida, sem, contudo, controlá-la (§§ 1º, 4° e 5º do art. 243).
Passemos, agora, à segunda modalidade de grupo econômico de fato (presumida a partir da identificação de direção comum, subordinação ou confusão patrimonial).
Com base na legislação infralegal abaixo mencionada e, sobretudo, na jurisprudência[2], temos também os grupos econômicos de fato não constituídos por sociedades controladoras/controladas ou coligadas, mas tão somente em função de alegada administração conjunta, controle, subordinação ou confusão patrimonial entre as sociedades envolvidas.
A Instrução Normativa RFB nº 971/2009 insere-se nesse contexto, ao constituir-se em veículo infralegal de natureza tributária que considera haver grupo econômico quando existir controle, administração ou direção entre as sociedades envolvidas, conforme acima referido.
Já a jurisprudência foi ainda mais longe, e vem reiteradamente reconhecendo a existência de grupos econômicos a partir da identificação das seguintes situações:
- Independência meramente formal de pessoas jurídicas (que, na realidade, submetem-se a uma mesma unidade gerencial, laboral e patrimonial)
- Identidade de administradores e contadores
- Formação de quadro societário pelos mesmos indivíduos ou seus parentes
- Estrutura administrativa compartilhada
- Recíprocas transferências de empregados
- Atuação idêntica, similar ou complementar
- Identidade de logomarcas
- Negociações comuns
- Escoamento total da produção para uma pessoa jurídica
- Possibilidade de movimentação das contas bancárias umas das outras
- Reconhecimento da existência de grupo econômico pela Justiça do Trabalho
De forma isolada, tais indícios são irrelevantes para a comprovação da existência de grupos econômicos. A ausência de alguns deles é igualmente irrelevante. Entretanto, o controle é o dado decisivo, e os fatos acima descritos colaboram para o convencimento de que havia controle entre as pessoas jurídicas envolvidas, razão pela qual essas provas devem ser consideradas dentro do contexto em que o objeto social das empresas era exercido.
- Da inexistência de solidariedade entre as sociedades componentes dos grupos econômicos
Diante da preservação da personalidade jurídica e, consequentemente, da autonomia patrimonial e administrativa das sociedades integrantes de um grupo econômico de fato, e da ausência de previsão legal que lhes imponha a solidariedade pelas obrigações contraídas apenas por uma delas, a princípio, somente a sociedade que vier a se vincular diretamente junto a terceiros é que responderá pelas obrigações contraídas perante os mesmos, não havendo que se falar em solidariedade entre as sociedades integrantes do grupo.
Nos grupos econômicos de direito, é possível que os administradores da sociedade estejam sujeitos à observância das orientações e instruções expedidas pelos administradores do grupo, caso assim seja determinado na convenção respectiva (art. 273 da Lei n° 6.404/1976). Se isso ocorrer, os administradores das sociedades participantes poderão praticar, de forma legítima, atos no interesse do grupo e em detrimento do interesse das sociedades que administram e/ou de seus sócios/acionistas minoritários. No entanto, se o ato por eles praticado for violador da lei ou da convenção do grupo, os mesmos responderão pessoalmente por sua conduta, em decorrência do abuso de poder.
Já nos grupos de fato, tal prerrogativa inexiste. O acionista controlador e os administradores das sociedades participantes que praticarem atos contrários aos interesses das sociedades que administram e de seus sócios/acionistas minoritários, estarão agindo com abuso de poder, e estarão sujeitos à responsabilização pessoal (arts. art. 117 e 158 da Lei n° 6.404/1976).
A solidariedade tributária, entretanto, possui regramento próprio, e será analisada em outra oportunidade.
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual do Direito Comercial – Direito da empresa,. 23ª ed. São Paulo. Saraiva. 2011, p. 256.
[2] Vide, exemplificativamente, proc. nº 2012.50.01.000728-1 da Justiça Federal de Vitória/ES e proc. nº 00140239520104036105 da Justiça Federal de Campinas/SP.
Maria Rita Ferragut –
Livre-docente pela USP. Mestre e Doutora pela PUC/SP. Autora dos livros Reponsabilidade tributária e o Código Civil de 2002, As provas e o direito tributário e Presunções no direito tributário. Professora do IBET e da PUC/COGEAE. Advogada em São Paulo.
Fonte: Jota